O objetivo dos boletins da SOLVER é incentivar o aprofundamento na legislação trabalhista, informar sobre as alterações legais, dar dicas operacionais e eventualmente mostrar sobre como será tratado o assunto no nosso sistema PERSONNEL XXI.
Teremos boletins ORDINÁRIOS semanais com assuntos variados e boletins EXTRAORDINÁRIOS quando houver alterações legais. Ambos não têm o caráter de consultoria jurídica, mesmo porque não somos consultores jurídicos, somos uma empresa de software e BPO de Folha de pagamento.
Cargo de confiança – Reforma Trabalhista
1. Definição
Não existe no ordenamento jurídico um artigo que traga uma definição exata e específica do conceito de cargo de confiança.
Há, entretanto, artigos esparsos que indicam características do empregado que exerce este cargo diferenciado, o que pode ser observado pelo artigo 62, inciso II, e artigo 499 da CLT, somado a Súmula n° 372 do TST e a OJSDI-1 n° 113 do TST.
Na prática, em uma reclamatória trabalhista na qual o empregado alega exercer um cargo de confiança, algumas características e elementos serão objeto de prova documental ou oral, levando, consequentemente, o juiz da causa a formar sua convicção em favor da empresa ou do empregado. São eles:
• Dispensa do controle de jornada, por força do artigo 62, inciso II, da CLT;
• Efetivo poder de mando, o qual se observa quando o empregado possui uma confiança destacada, podendo exercer alguns dos poderes do empregador, tendo influência direta na gestão da empresa;
• Pagamento de um adicional de, no mínimo, 40% acima do salário pago aos empregados que lhe são imediatamente subordinados (parágrafo único do artigo 62 da CLT).
2. Dispensa do Controle de Jornada
A intenção do artigo 62, inciso II, da CLT é dispensar o empregador da obrigatoriedade de controlar o horário exato de entrada e saída do empregado, bem como de intervalos.
Entretanto, o empregado ainda terá uma jornada contratualmente estabelecida, a qual deve ser observada na medida do possível. Cumpre esclarecer que, não havendo controle de jornada, não haverá, em regra, que se falar em pagamento de horas extras ou compensação de jornada.
Isto, contudo, não significa que o empregador deve desrespeitar habitualmente os limites constitucionalmente impostos (8 horas diárias e 44 semanais – artigo 7°, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988).
Em outras palavras, ainda que não haja controle de ponto, o ideal é buscar sempre observar os limites legais, eis que do contrário, sendo habitualmente extrapolado tais limites, poderia se entender e questionar a existência de fraude à legislação trabalhista (artigo 9° da CLT).
Importante observar que, caso o empregador deseje fazer o controle de jornada, haverá o risco de descaracterização do cargo de confiança, cabendo, caso ocorra prorrogação de jornada, o pagamento de horas extras, ainda que haja gratificação de função, nos termos dos artigos 59, § 1°, e 62, inciso II, da CLT.
3. Confiança Destacada
Segundo Alice Monteiro de Barros, em seu trabalho “Empregado Ocupante de Cargo de Confiança”, a legislação trabalhista brasileira fornece uma “ideia de confiança progressivamente crescente que se distingue, segundo a doutrina, em quatro graus”:
a) confiança genérica, presente em todos os contratos de trabalho e que exige um mínimo de fidúcia da parte do empregador;
b) confiança específica, pertinente aos bancários (artigo 224 da CLT);
c) confiança estrita, a que alude o artigo 499 da CLT;
d) confiança excepcional, na qual se enquadra o gerente (inciso II do artigo 62 da CLT).
No caso do empregado detentor de cargo de confiança, a confiança será excepcional. Ou seja, o empregado detentor de um cargo de confiança, diferentemente do empregado comum, possui um grau maior de responsabilidade, o que muitos doutrinadores e juízes chamam de “fidúcia destacada”. Esta denominação nada mais é do que um grau maior de confiança depositada no empregado no desempenho de suas funções.
Esta confiança deve chegar ao ponto do empregado fazer as vezes o papel do empregador, ou seja, exercer alguns poderes que, em regra, somente o empregador poderia realizar, como, por exemplo, demissões, administração de pessoal ou aplicações de penalidades.
Tais poderes podem ser concedidos por meio de mandato verbal, tácito ou expresso. Em outras palavras, a norma legal não impõe uma forma específica para a delegação de tais poderes aos empregados que possuem cargo de confiança.
Entretanto, oportuno lembrar que para certos atos específicos, como assinar documentos e administrar interesses do empregador, seria necessária uma procuração específica com a concessão destes poderes.
4. Gratificação de Função
Conforme o artigo 62, parágrafo único, da CLT, o empregado que possui cargo de confiança terá um salário, no mínimo, 40% acima do salário pago aos empregados que lhe são imediatamente subordinados.
Tal gratificação terá natureza salarial, integrando a remuneração do empregado para todos os efeitos legais, sendo base de cálculo para incidências de INSS e FGTS, nos termos do artigo 457, § 1°, da CLT. Eis os exatos termos do dispositivo legal que aborda a matéria:
Art. 62. (…) Parágrafo único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%. |
Nota-se que o legislador usou o termo “se houver” no texto do artigo acima transcrito. Diante disso, entende-se que o mero pagamento desta gratificação não se mostra suficiente para comprovar de forma incontestável a existência do cargo de confiança, de modo que ainda é necessária a existência da confiança destacada.
Ou seja, ainda que seja paga a gratificação de função poderá o empregado ajuizar reclamatória trabalhista requerendo o pagamento, por exemplo, de horas extras, sob a alegação de que não exercia um cargo de confiança na prática. Neste caso, caberá a comprovação no processo de que existia confiança destacada e, consequentemente, era efetivamente exercido o cargo de confiança, para que a pretensão do empregado seja julgada improcedente.
Por fim, no que tange ao adicional pago, inexiste na legislação determinação expressa de que o pagamento deve ser realizado por meio de adicional diferenciado da remuneração base.
Entretanto, recomenda-se que este procedimento seja adotado, ou seja, seja destacado o pagamento da gratificação de forma separada do salário base, a fim de evitar alegações de salário complessivo (Súmula n° 91 do TST), bem como para facilitar eventual necessidade de supressão futura no caso de perda do cargo de confiança e reversão do empregado ao cargo anteriormente exercido.
5. Retirada/perda da Gratificação de Função
Com o advento da Reforma Trabalhista, é possível que o empregado seja revertido à função que anteriormente exercia, perdendo assim o cargo de confiança, independentemente de justo motivo (artigo 468, § 2º, da CLT).
Uma vez destituído do cargo de confiança, o empregado perderá também a gratificação a ele inerente, eis que se trata de um salário condição. Tal conduta não será caracterizada, em regra, como alteração prejudicial ao contrato, conforme expressamente autorizado pelo artigo 468, § 1º, da CLT.
Para que isso seja viabilizado, recomenda-se que o pagamento da gratificação seja realizado em separado do salário, ou seja, em rubrica própria, pois, do contrário, poderá ser alegado prejuízo pelo empregado, além de ser levantada a alegação de salário complessivo e redução salarial.
Se desejar, entretanto, por livre vontade, ainda que haja a reversão do empregado ao cargo anterior, poderá o empregador manter o valor da gratificação de função caso deseje, eis que não haverá prejuízo ao empregado. Entretanto, é necessário ter atenção em relação aos demais empregados que ocupam a mesma função para a qual houve a reversão, visto que a manutenção da gratificação poderá gerar questionamento de equiparação salarial, caso os requisitos estejam presentes.
Em contrapartida, caso o empregado já tenha sido contratado desde o início para o cargo de confiança, ou seja, o exercício de tal função não tenha advindo de promoções dentro do mesmo contrato de trabalho, não terá cargo para retornar caso perca o cargo de confiança, ficando assim inviabilizada a reversão.
Diante disto, há entendimentos no sentido de que seria necessária a rescisão contratual, pois ao colocar o empregado em função hierarquicamente inferior ensejaria o seu rebaixamento, conduta vedada pelo artigo 468 da CLT.
6. Transferência
Conforme o artigo 469 da CLT, em regra, os empregados somente podem ser transferidos para outro local de trabalho, ensejando a mudança de domicílio, com a sua anuência.
Entretanto, os empregados que exercem cargo de confiança são uma exceção a esta regra, ou seja, é possível realizar a transferência definitiva ou provisória deste, sendo dispensável a existência prévia de concordância específica.
Não obstante, apesar de não ser exigida a anuência do empregado, a jurisprudência tem entendido ser necessária a efetiva comprovação de necessidade do serviço, ou seja, a necessidade de prestação de serviços do empregado ocupante de cargo de confiança no novo local de trabalho, sem a qual presume-se abusiva a conduta do empregador (Súmula n° 43 do TST).
Por fim, ainda que seja comprovada a necessidade do serviço do empregado de cargo de confiança e que seja efetuada a transferência; se esta for provisória ainda assim fará jus o empregado ao pagamento de adicional de transferência de 25% sobre os salários, além do valor que já ganha a título gratificação de cargo de confiança (Orientação Jurisprudencial n° 113 da SDI1 do TST).
7. Horas Extras
O artigo 7º, inciso XIII, da CF/88 prevê que a duração máxima da jornada, ou seja, a duração do trabalho normal não poderá ser superior a oito horas diárias e 44 semanais. A não observância deste limite com a prorrogação da jornada do empregado gera, consequentemente, a obrigação do empregador de efetuar o pagamento adicional de, no mínimo, 50% do valor da hora ordinariamente paga, salvo previsão mais benéfica em norma coletiva (artigo 59, § 1°, da CLT).
Entretanto, como dito previamente, o empregado que possui cargo de confiança e não tenha sua jornada efetivamente controlada é uma exceção à regra geral, não fazendo jus ao pagamento de horas extras, caso em caráter eventual ultrapasse sua jornada de trabalho. Contudo, para tanto, é necessário que de fato exerça um cargo de confiança, estando presentes os requisitos já citados anteriormente.
Em outras palavras, o mero exercício do cargo de confiança não significa que o empregador poderá exigir deste colaborador a prorrogação da sua jornada todos os dias de forma habitual.
Oportuno lembrar ainda que é necessário que sejam observados os intervalos de refeição (artigo 71 da CLT), os repousos semanais remunerados e os feriados (artigo 1º da Lei n° 605/49), eis que tais períodos são direito de todos os empregados de forma geral.
8. Bancários
A sistemática no que tange a cargos de confiança é diferenciada aos bancários, o que é principalmente visualizado na jurisprudência. Logo, na estrutura bancária pode-se observar três modalidades diferentes de cargo de confiança, quais sejam:
• Artigo 449 da CLT: cargos de direção geral da instituição, os quais se confundem com o próprio empregador. Exemplo: altos diretores, membros de conselho de acionistas, etc.
• Artigo 62, inciso II, da CLT: empregados que possuem uma confiança destacada, sendo responsáveis pela gestão de sucursais e filais. Exemplo: Gerentes de agências ou sucursais, superintendentes regionais. Neste caso o pagamento da gratificação é no importe de 40%.
• Artigo 224, § 2º, da CLT: Empregados que possuem uma confiança destacada dentro de uma estrutura mais restrita, responsáveis por setores ou departamentos, mas ainda se reportam a gerentes gerais das filiais ou agências. Exemplos: chefes, supervisores e gerentes. Neste caso o pagamento da gratificação é no importe de 1/3 da remuneração.
Nota-se, portanto, que há uma gradação na confiança quanto aos níveis acima indicados. Na prática, há divergência no que tange a um enquadramento e outro, sendo necessária a produção de provas documentais para se determinar em que categoria o empregado se encaixará e, consequentemente, a que gratificação terá direito. Não obstante, a classificação acima reflete de forma simplificada o entendimento de grande parte da jurisprudência, em que pese ainda haja divergências.
8.1. Cargo de Confiança e Jornada
Os bancários possuem jornada diferenciada, pois a carga horária aplicável à categoria seria de seis horas diárias e 30 horas semanais, com um intervalo de 15 minutos; de modo que se o empregado exerce uma jornada de 8 horas por dia, a 7ª e 8ª horas seriam computadas como horas extras.
Art. 224. A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana. § 1º. A duração normal do trabalho estabelecida neste artigo ficará compreendida entre sete e vinte e duas horas, assegurando-se ao empregado, no horário diário, um intervalo de quinze minutos para alimentação. |
O artigo 225 da CLT evidencia ainda que a realização da 7ª e 8ª horas como extras, ainda que pagas com adicional devido pelo empregador, não pode ocorrer de forma habitual.
Segundo a Súmula n° 102, item III, do TST, ao bancário exercente de cargo de confiança previsto no artigo 224, § 2º, da CLT são devidas as 7ª e 8ª horas como extras, no período em que se verificar o pagamento a menor da gratificação de ⅓.
Havendo previsão de gratificação em percentual superior na norma coletiva, não será devido o pagamento da 7ª e 8ª horas como extras, quando pelo menos a gratificação de 1/3 for observada. Nesse caso, será devida tão somente a diferença da gratificação de função (Súmula n° 102, item VII, do TST).
Por fim, salienta-se que o advogado empregado de banco, pelo simples exercício da advocacia, não exerce cargo de confiança, não se enquadrando, portanto, na hipótese do § 2º do artigo 224 da CLT (Súmula n° 102, item V, do TST).
Por sua vez, o caixa bancário, ainda que caixa executivo, não exerce cargo de confiança. Se perceber gratificação igual ou superior a 1/3 do salário do posto efetivo, essa remunera apenas a maior responsabilidade do cargo e não as duas horas extraordinárias além da sexta (Súmula n° 102, item VI, do TST).
9. ESocial
O empregado que ocupa cargo de confiança será informado como os demais empregados no eSocial, ou seja, sua admissão será informada no evento S2200 Cadastramento da Admissão do Trabalhador.
De acordo com os Leiautes do eSocial versão 2.5, o empregador deverá informar o regime de jornada de trabalho do empregado no evento S-2200, conforme as seguintes opções:
1 – Submetidos a Horário de Trabalho (Capítulo II da CLT);
2 – Atividade Externa especificada no inciso I do artigo 62 da CLT;
3 – Funções especificadas no inciso II do artigo 62 da CLT;
4 – Teletrabalho, previsto no inciso III do artigo 62 da CLT.
Logo, para o empregado que é cargo de confiança, caberá ao empregador informar a opção número 3, pois como dito previamente, por força do artigo 62 da CLT tal controle é opcional para esta modalidade de empregado.
Igualmente, tem-se, de forma opcional, o envio do evento S-1040 da Tabela de Cargos em Comissão, no qual são registradas informações de identificação da função por meio do código e período de validade do registro.
Estes códigos {codFuncao} são atribuídos de forma livre pelo empregador, devendo este apenas se atentar para que guardem relação com a Tabela de Classificação Brasileira de Ocupações – CBO.
O evento S-1040 só deve ser enviado pelo empregador a fim de destacar a existência de uma função gratificada ou de confiança, nos moldes da legislação trabalhista, estatutária ou legislação própria do ente federativo, conforme página 93 do Manual de Orientação do eSocial versão 2.5.01.
No mais, tem-se que o código 1201 refere-se a rubrica sobre a qual é efetuado o pagamento da gratificação de 40% do cargo de confiança, que será informada no evento S-1200 Remuneração do Trabalhador de forma mensal.
*Matéria elaborada conforme a legislação vigente à época de sua publicação e estará sujeita a alterações em caso de mudanças na legislação.*