O objetivo dos boletins da SOLVER é incentivar o aprofundamento na legislação trabalhista, informar sobre as alterações legais, dar dicas operacionais e eventualmente mostrar sobre como será tratado o assunto no nosso sistema PERSONNEL XXI.
Teremos boletins TRABALHISTA semanais com assuntos variados e boletins EXTRAORDINÁRIO quando houver alterações legais. Ambos não têm o caráter de consultoria jurídica, mesmo porque não somos consultores jurídicos, somos uma empresa de software e BPO de Folha de pagamento.
O banco de horas e a compensação de horas negativas
1. Introdução
O banco de horas corresponde a uma forma de compensação de horas extras com base em acordo coletivo ou individual, firmado entre as partes que compõem a relação de trabalho.
Porém, todo trabalhador já teve que lidar com compensação de horas negativas e ajuste de jornada em algum momento do trabalho.
Mas enquanto na compensação comum de horas o trabalhador que exceder a jornada de trabalho troca esse excedente por folga ou por horas extras, na compensação negativa a dinâmica é invertida, no sentido de aproveitar o tempo necessário de paralisação de atividades em razão da COVID-19, como crédito de horas para o empregador.
Enquanto na compensação comum o ponto chave é equilibrar a hora extra que ultrapassou a jornada ordinária, na compensação de horas negativas o ponto chave é precisamente substituir uma jornada ordinária que não pôde acontecer em razão da COVID-19, sem que a hora extra seja a principal finalidade.
2.Previsão legal do BH
O BH tem previsão na CLT, nos artigos 59 e 59-B, onde constam as regras referentes à forma de estabelecimento e dos prazos. Vejamos:
Art. 59. A duração diária do trabalho poderá ser acrescida de horas extras, em número não excedente de duas, por acordo individual, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
§ 1o A remuneração da hora extra será, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) superior à da hora normal.
§ 2o Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
§ 3º Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária, na forma dos §§ 2o e 5o deste artigo, o trabalhador terá direito ao pagamento das horas extras não compensadas, calculadas sobre o valor da remuneração na data da rescisão.
§ 5º O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.
§ 6o É lícito o regime de compensação de jornada estabelecido por acordo individual, tácito ou escrito, para a compensação no mesmo mês.
Art. 59-B. O não atendimento das exigências legais para compensação de jornada, inclusive quando estabelecida mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional.
Parágrafo único. A prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas.
Entretanto, em razão da pandemia (Covid-19) foi necessário a publicação, pelo governo federal, de medidas provisórias estabelecendo o funcionamento do banco de horas durante o isolamento social, conforme veremos mais adiante.
3. Como funciona o banco de horas?
Normalmente no sistema de compensação de horas extras, são adicionadas a um BH onde são somadas a outras que foram igualmente trabalhadas dentro de certo limite de tempo.
Cada vez que o trabalhador cumprir horário de trabalho inferior ao contratual ou substituir um dia de trabalho por folga, haverá a diminuição do número de horas presente no banco.
Por outro lado, quando ele trabalhar além do seu horário normal, o tempo extraordinário será somado.
A compensação dessas horas possui prazo pré-definido, com o sistema de compensação se referindo sempre a períodos e se zerando e recomeçando após o término deles.
Quando o BH for estipulado por acordo coletivo (CCT) ou for firmado com auxílio e participação da entidade sindical, ele poderá ser de até um ano.
Caso tenha sido firmado por acordo individual diretamente entre o empregador e o trabalhador, poderá ser de até 6 meses.
Ao final do prazo, caso o trabalhador tenha horas em seu favor o empregador deverá pagá-las como extras, com adicional de, no mínimo, 50%.
Na ocasião em que a empresa tem horas em seu favor, ou seja, é o empregado que está devendo à empresa, essas horas poderão ser descontadas do salário do empregado em sua forma simples sem adicional. Caso esteja zerado, não há obrigação a nenhuma das partes.
4.Por que a compensação de horas negativas deixa tantas dúvidas?
A compensação de horas negativas compartilha do mesmo estado jurídico de várias outras medidas trabalhistas durante a pandemia: está envolta por um emaranhado de leis e de medidas provisórias que vem e vão, às vezes sem aprovação do Congresso, e diante de cenários da vida prática que mudam todo dia com a evolução da COVID-19 no país.
Antes da pandemia, era comum falar em saldo negativo de horas do trabalhador, mas dentro da dinâmica normal de dever ou ter como crédito e depois receber ou pagar.
Agora banco de horas negativas ou invertido, como também é conhecido, é praticamente uma novidade.
Essa ideia de antecipar créditos de horas para o empregador encontrou grande utilidade prática em razão da necessidade do fechamento das atividades não essenciais, que obrigou os empregadores a paralisar e perder as receitas do período.
O banco de horas invertido nasce como reposição das horas não realizadas por circunstâncias maiores, por isso o salário deve continuar a ser pago normalmente durante o fechamento do comércio ou da empresa, porque o empregado irá saldar as horas de paralisação com trabalho futuro.
A confusão se instaurou porque em 2020 foi lançada a MP 927, mas ela perdeu a validade após a data de 19/07/20, podendo ser utilizada apenas para o que foi ajustado até o fim da vigência, voltando a vigorar depois e por completo as regras normais sobre banco de horas, lembrando que na CLT não há dispositivo similar ao da MP 927.
O empregador que fez acordo ou convenção sobre banco de horas “negativo” ou “invertido” em 2020, até 19/07, pode exigir a compensação pelos trabalhadores num prazo de até 18 (dezoito) meses a partir de 01/01/2021. Sem compensação, a empresa pode realizar o desconto das horas faltantes na remuneração do trabalhador, mas veja bem, o acordo deve ser regular.
O banco de horas negativas continuou sem nova regulamentação até recentemente, com o início da MP 1.046/2021, basicamente a nova medida permite contratação de banco de horas invertido da mesma forma que no ano de 2020 e por 120 dias.
Infelizmente, muitos empregadores têm dispensado seus empregados sem respaldo jurídico, sem salário e sem adesão a nenhum dos planos emergenciais do governo, sob o fundamento de “paralisação temporária ou definitiva do trabalho por força maior” do artigo 486 da CLT, mas ressaltamos que o empregador não possui essa prerrogativa e deverá cumprir com sua parte nesse momento de concessões e comedimentos inevitáveis.
O art. 20 da MP 1.045/2021 tratou de afastar a total isenção do empregador em razão de paralisação de atividades por decretos locais, regionais ou federais, conforme abaixo:
“Art. 20. O disposto no art. 486 da CLT (paralisação por força maior e responsabilização do Governo), não se aplica na hipótese de paralisação ou suspensão de atividades empresariais determinada por ato de autoridade municipal, distrital, estadual ou federal para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19).
5. Como foi a compensação em 2020?
Em 2020 a compensação de horas negativas atraiu a atenção dos empregadores, porque ajudava a solucionar a gestão de crise pelas empresas, que não queriam pagar duas vezes pelo mesmo tempo de serviço.
Ao mesmo tempo em que essa opção esteve disponível para o empregador (compensação de horas negativas), ele também pôde optar pela suspensão do contrato de trabalho ou redução de jornada e salário, o que nada tem a ver com a compensação de horas negativas, cujos esclarecimentos são:.
Suspensão do contrato de trabalho – acontece a paralisação total das atividades e o empregado não pode retornar ao trabalho, pois está recebendo auxílio financeiro do governo federal equivalente ao seguro-desemprego, enquanto essa situação permanecer;
Redução de jornada de trabalho e salário – acontece uma paralisação parcial das atividades, por essa razão o empregado recebe o salário proporcional ao tempo da jornada trabalhada e uma complementação salarial do governo.
Compensação de horas negativas – nesse caso também há paralisação total da atividade, mas sem auxílio do governo, porque ocorre um acordo entre empregado e empregador de adiar o cumprimento daquela jornada normal de trabalho, que ficará pendente.
Para completar a comparação, a suspensão ou redução da jornada dá direito à estabilidade no emprego pelo tempo equivalente à alteração do contrato, enquanto na compensação de horas não há estabilidade decorrente desse acordo.
Diante da revogação da MP 927/2020, os empregadores têm buscado sindicatos e o poder judiciário para validar as contratações de compensação de horas negativas para trazer mais segurança jurídica e manter o sistema de compensações ativo com base no negociado (artigo 611-A da CLT).
Quem fez o ajuste até julho de 2020 está resguardado pela MP 927/2020 e pode compensar as horas devidas até julho de 2022, ou seja, em até 18 meses após o fim do estado de calamidade do decreto legislativo nº 06 de 2020, em 31 de dezembro de 2020
6. Qual a regra vigente para o banco de horas negativo em 2021?
A regra vigente começou a valer no final de abril de 2021, através do art. 15 da MP 1.046/2021, conforme abaixo:
“Art. 15. Ficam autorizadas, durante o prazo de 120 dias, contados a partir de 27 de abril de 2021, a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo individual ou coletivo escrito, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do prazo de 120 dias (final de agosto de 2021)”.
A regra é muito parecida com a do ano de 2020, bastando que o empregador faça acordo escrito individual ou coletivo e esclareça aos empregados o funcionamento do ajuste: o empregador fecha o comércio, continua a pagar os salários e quando reabrir, os empregados recuperam o período interrompido, que poderá ser feito por meio da prorrogação de jornada em até duas horas por dia, inclusive nos finais de semana, até cobrir, todo o tempo restante nos 18 meses seguintes.
As duas horas de trabalho a mais não serão pagas novamente, porque o pagamento foi mantido no mês de paralisação e têm o valor da hora normal, porque elas só estão repondo o período de fechamento anterior da atividade, por isso não devemos confundir hora negativa com hora extra.
7. Atividades essenciais
As atividades essenciais receberam destaque na MP 1.046/21.
Em primeiro lugar, quais são as atividades essenciais?
Na verdade quem nos responde é o decreto nº 10.282/20, que traz uma lista de cinquenta e quatro atividades e serviços que não podem parar, onde trouxemos alguns exemplos:
- Atividades de construção civil;
- Atividades industriais;
- Trânsito e transporte interestadual e internacional de passageiros;
- Assistência à saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares;
- Assistência social e atendimento à população em estado de vulnerabilidade;
- Atividades de segurança pública e privada, incluídas a vigilância, a guarda e a custódia de presos;
- Unidades lotéricas,
- Comercialização de produtos de saúde, higiene, limpeza, alimentos, bebidas e materiais de construção;
- Serviços postais, entre vários outros.
No que se refere às atividades essenciais, a medida provisória trouxe uma prerrogativa diferente, porque nas atividades comuns o empregador fecha e na reabertura ele recupera as horas negativas, mas na atividade essencial os empregadores “poderão, durante o prazo previsto de 120 dias, constituir regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas independentemente da interrupção de suas atividades.”
8. Como fica a rescisão diante de banco de horas não compensado?
Isso depende muito do tipo de rescisão e do tipo de banco de horas convencionado.
Sem o acordo de compensação de horas negativas, a regulamentação sobre horas devidas, ou em crédito, responde à normalidade da reforma trabalhista, em que as horas devidas são abatidas do salário do empregado ou pagas como horas extras em valor maior se não compensadas.
Por outro lado, quem contrata horas negativas, mas sai do trabalho devendo, pode ter as verbas rescisórias descontadas, lembrando que referido desconto não poderá ser superior a 30% das verbas rescisórias.
Se os pagamentos foram mantidos e por isso as horas negativas estão de fato negativas para o empregado, a rescisão não deve fugir muito daquilo que ocorreria em tempos normais, sem grandes surpresas financeiras para o empregado.
Lembrando que o empregado também precisará agir de boa-fé, com a consciência de que terá horas para repor depois sem acréscimo de pagamentos, conforme o contratado, mas em contrapartida possui a segurança da manutenção do salário.